terça-feira, 26 de abril de 2011

O Pintor


Pinta-se Lameiras e Frases de Pára-chouqes

Ninguém sabe ao certo há quanto ele pintava lameiras e pára-choques na beira da estrada. Morava numa pequena casa com um quintal que ia até o acostamento. Ali ele fincou a placa: pinta-se lameiras e frases de pára-choques.
                Seus fregueses que vinham de todos os lugares paravam em frente, quase no quinta da sua casa:
                - E aí pintor? Essa é minha primeira viagem com esse caminhão. Um amigo mim disse que você é bom pra pintar lameira. Quero a minha bem bonita, disse o caminhoneiro, saltando da boleia.
                Walmor, o pintor, olhou a placa do caminhão e disse:
                - Pra você que é de Senhor do Bonfim, tenho uma pintura especial. Vou pegar o álbum pra ver se você gosta.
                Walmor foi mexer numa mala cheia de folhetos, cadernos e álbuns com as mais diversas paisagens e figuras. Dentro da mala conviviam, Jesus Cristo, Nossa Senhora Aparecida, São Jorge com seu lindo cavalo, São Cristovão, a basílica, escudos de times de futebol, o Pato Donald, cometas, o sol, a lua, serras e cerrados e muito mais.
                Logo Walmor voltou com uma pintura de Jesus Cristo, de braços abertos, abençoando:
                - Essa figura vai ficar linda no seu carro.
                O caminhoneiro gostou, mais preferiu outra:
                - Queria uma de Jesus na cruz.
                - Que é isso, meu amigo? Pra que mostrar Jesus sofrendo?
                Quero pintar na lameira do teu caminhão um Jesus sorrindo e abençoando a viagem de quem anda na estrada.
                - Tá bom. E o que você vai escrever?
                - Me deixa uma frase aqui no caderno.
                Enquanto Walmor retirava as páginas do seu velho caderno de frases, o freguês ficou olhando os álbuns com as mais diversas figuras, e pediu pra trocar:
                - Pintor, olha só essa aqui. Gostei. Pinta pra mim.
                - Você quer pintar essa aí no lugar de Jesus? Perguntou Walmor.
                - É meu time do coração.
                - E Jesus é o que? Ele é nosso guia.
                O caminhoneiro ficou pensativo por um instante e respondeu:
                - Tudo bem. Será que Jesus vai ficar zangado se você pintar o meu time numa lameira e Ele na outra?
                - Tudo bem. Acho que Jesus também deve gostar de futebol. Só não sei se torce pelo teu time.
Algum tempo depois, lá foi o caminhoneiro de Senhor do Bonfim, todo feliz estrada afora com Jesus de um lado e o escudo do Flamengo do outro. Walmor ainda pintou a pedido do caminhoneiro a frase: “Jesus e o Flamengo batem unidos no meu coração”.
                Durante muitos e muitos anos Walmor viveu na beira daquela estrada pintando lameiras e frases nos pára-choques dos caminhões que passavam por ali. Certo dia, as máquinas apareceram por lá e começaram a remexer em tudo para duplicar a estrada.
                Walmor perdeu a casa e o ponto. Pegou sua mala, seu caderno, suas tintas, seus pincéis e foi estrada afora parando aqui e ali, pintando lameiras e pára-choques onde houvesse um caminhoneiro querendo falar de sua fé e do seu amor, embalados pelas rodas do seu caminhão.
                Na beira da estrada duplicada, alguém pregou numa árvore a velha placa de Walmor: Pinta-se lameiras e frases de pára-choques.
                Foi o que restou do homem que pintou a beleza e a mensagem que os caminhoneiros levam no caminhão por todos os caminhos onde andam.


Crônica: Henrique Lessa – Henriquelessa.75@globo.com
Publicada na Revista Caminhoneiro

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